sexta-feira, 1 de julho de 2016

[RPG] Contos de Buteco - Penitência

Olá rapazes e donzelas, aqui quem fala é o Goblin!

Caso não saibam ainda, eu sou o proprietário do Buteco, um local conhecido dentre diversos aventureiros espalhados pelo mundo, tanto pela hospitalidade quanto pela boa bebida.

Vez ou outra ouço histórias de conquistas e desventuras de várias personalidades diferentes, em meio a rodadas de rum e falação exaltada. Hoje, aproveitando esse tempo livre entre cuidar de um bêbado e encher um cálice, irei contar um pouco sobre um senhor de ar estranho que nos visitou há não muito tempo.

Aliás, ele estava sentado nessa mesma cadeira que você está agora, garoto.

No início ele estava um pouco incomodado por estar aqui junto de um grupo de aventureiros, mas após algumas bebidas ele rapidamente se tornou meu amigo, a ponto de pedir a mim que espalhasse sua história.

Como devem saber, de tempos em tempos, o deus do Caos resolve brincar com os seres vivos, seja trazendo doença ou prosperidade. O Caos, como uma das duas entidades supremas do mundo, interfere em tudo, tornando o mundo deveras imprevisível. Apodrece o leite, envenena água, salva crianças de doenças fatais, impede dragões de queimar cidades ou provoca queimadas. Mas pouquíssimas vezes o Caos tomou forma humanoide e conversou com um humano. Essa história é sobre um desses raros momentos.

Não se sabe em que circunstâncias, o homem recebeu o título de clérigo da justiça em um pequeno vilarejo não tão distante daqui. Alto, cabelos grisalhos, por volta dos seus 30 anos. O homem tinha feições comuns, uma família comum - uma mulher, filho e filha - ganhava o suficiente para viver, vivia apenas quando não atrapalhava seu ganho.

Mas uma doença nova e nunca mais vista (ainda bem) atacou a cidade. Ferimentos cheios de pus, comichão, perda de tato e deformidades causadas por bolhas espalhadas por todo o corpo. Cerca de 80% da cidade foi afetada, incluindo o primogênito do homem. Uma vez que a cidade não possuía grande população, não havia um clérigo com poderes curativos, o único ser com contato divino era ele. Todos se encaminharam para sua casa, e o homem rezou três dias e três noites pedindo por ajuda do deus da Justiça.

Então, durante uma caminhada matinal do homem, Caos apareceu. Um velho homem, barrigudo e baixinho. Se não fosse pela pele rosada eu até poderia dizer que ele era um goblin. Apesar da aparência simples, a aura emanada pelo deus era tão densa, que podia ser vista até mesmo por um leigo nas artes místicas. O homem imediatamente prostrou-se em frente ao ser divino e rogou-lhe por ajuda.

- Não vim aqui para ajudar-lhe simples homem. Vim para caçoar de você - disse o deus em tom de deboche - Vê o quão inútil lhe foi todos esses anos abraçando a justiça? Pois posso lhe dizer que não há coisa mais justa do que um povoado ser dizimado pela doença. É apenas natural não percebe? Entretanto, o caos não segue a ordem natural das coisas. Talvez com poderes caóticos tu serias capaz de salvar a todos.

- Eu lhe peço então ó Senhor! Torne me seu súdito, e me permita ajudar a todos por meio da sua obra!

Com um aceno de mão de Caos, o homem sentiu um poder diferente dentro de si. Ele sabia que poderia criar e destruir, restaurar e arruinar. Ele sentia que tudo dependia dele a partir de agora. As ferramentas lhe foram dadas.

- Apenas se lembre, a roda continua a girar, sempre e sempre. Um dia se está no topo, outro dia no chão - E dizendo esse agourento lema, Caos desapareceu.

O homem desceu a cidade, e reuniu todas as pessoas na praça central. Anunciou ser capaz de curar todos, se possuísse energia espiritual para tal feito. Cada cidadão cedeu uma fração de sua energia para que a magia fosse preparada.

Mas o destino nunca age como esperado. A magia teve efeito contrário, tornando a doença mais e mais intensa até o ponto que os infectados morriam entre gritos de dor. O homem ficou desconsolado. Ele foi preso após um julgamento dentre os moradores restantes, o que incluía sua mulher e filha, e passou mais de 10 anos em detenção. O olhar de seu primogênito ao morrer nunca saiu de sua cabeça, um olhar de esperança, crendo que num passe de mágica a dor iria passar.

Durante seu último dia de carceragem, o Caos lhe apareceu novamente. O homem estava furioso e irrompeu contra o deus sem pestanejar. Nesse mesmo instante, sentiu uma paralisia em seu corpo. Caos assentou-se em um canto da cela e preparou um fumo para si.

- O caos não é responsável apenas por boas memórias! Pensei que soubesse disso. Por outro lado, você recebeu a justiça de seu povo. Ela lhe serviu de alguma coisa? - disse em um tom desdenhoso - A culpa, a vergonha, a insatisfação pelo ato que você tomou não foi sanada pela justiça. Sua punição é justa, mas não suficiente.

O deus libertou o homem, que sentou-se de frente para ele. Caos lhe ofereceu um cachimbo, prontamente aceito, e continuou.

- Você não busca uma punição justa. Você busca redenção. Se sentir bem consigo mesmo, olhar para o rosto de sua esposa com dignidade. Mas nós dois sabemos que a justiça nunca irá propiciar isso. A Justiça acha que você já passou pelo suficiente. Eu não acho. Acho que esse é apenas o início da sua jornada, e apenas abraçando o verdadeiro caos que o mundo possui, alguém como você pode salvá-lo. E então eu garanto que nunca mais você será conhecido pelo erro que cometeu, e sim pela vitória obtida. Caso aceite minha proposta clérigo, um dia você poderá ser o maior clérigo do Caos que já existiu, além claro de eu tirar-lhe desse muquifo... O que acha?

O homem aceitou.

Ele abdicou de seu nome, sua família, seus pertences e amigos. O homem passou a chamar-se Penitência até o dia que sua missão seja cumprida. Desde então, Penitência tem vagado pelo mundo, em busca de maneiras de salvar o mesmo. E quem sabe um dia ele realmente consiga, não é? A roda da vida nunca para de girar...

Como disse antes, Penitência se tornou um amigo para mim (não sei se confiável) então, caso saibam de algum perigo mortal capaz de destruir o mundo, me avisem e eu procurarei contatá-lo, ele vive fazendo esse tipo de loucura...

Pensando melhor, se souberem de um perigo mortal, eu estarei escondido no porão!

Bem, por hoje é isso senhoras e senhores, preciso ir servir um corno de hidromel àquele senhor que parece um ogro na mesa 6. Nossa! Ele realmente é um ogro!

Vejo-lhes em um outro encontro! Continuem bebendo e se divertindo, o Buteco do Goblin não fecha tão cedo!

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